quarta-feira, setembro 19, 2007

ENSAIO

O Deus que Morre em Nietzsche

Se ainda assim, digo, mesmo depois das abaladas estruturas da morte como redenção no pensamento ocidental moderno, olhar o outro significa criterização de um julgamento à revelia, então, que se fechem além das pálpebras todos os terminais que operem sentido e se venere o Deus dos exércitos, das ladainhas e a igualdade justificará cada conselho em nome do bem. Esse Deus que morre em Nietzsche, permanece insepulto no beiral das religiões que arrebanham, sob a moral de discurso, para cultos a um ícone apodrecido mas fiel, omisso e injusto que ditou aos escolhidos uma cartilha de como se comportar nessa, e, até, numa outra vida. Por vias dessa dialética do bem e do mal, que, no mínimo, seja o mal o que se faz para que o outro não se faça legítimo e adote impressões como verdade.

Pensar em Deus, além de qualquer dialética, é pensar na linguagem da vida, no vivo que evidenciou o humano das experiências moleculares à emoção da arte. Trata-se de si com o outro que de si, também, estabelece o devir que advém da projeção na coerência que se fez dos gestos na rede que se pontua pela conservação e melhoria de condição da vida. Da condição que se repare em função de cada outro condizente consigo no âmbito, pelo menos, de sua ontogenia. Aí, quem sabe, o renascimento Dele ocorra mesmo que nos estertores da fé, onde se julgou o ato mais vil, onde a noção de individualidade não passe de um estilete na mão. Viver em Deus, talvez seja o pensamento que reconheça na linguagem a dimensão da existência humana em cada trajetória legítima e legitimadora no respeito ao outro.

O Deus que morre em Nietzsche é o vigia, o preconceituoso, o juiz de uma verdade esfolada a cada indagação do espírito e assim detida como prova de pecado. Nessa morte, também, de certa forma, se prenuncia a morte do humano que materializou-se entre datas e isolou-se da natureza em nome desse deus que se revela nos templos e que sente asco ao se aproximar confortavelmente, com seu escolhido, de um beco fedorento. Morre a entidade que discrimina ao permitir desenlace de inocentes em face de bandidos, o dono do céu que fugiu o Menino Jesus de Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos. Morre, enfim, o intransigente salvador que habita corações mesquinhos e os amolece sob discursos estruturados com vistas a um fim maquiavélico que justifique qualquer ação do estado.

Roberto Bittencourt

Planalto Caterinense