É porque a torre da igreja está mais alta
do que todas as árvores que existem entre
a praça e a roseira ao pé da pitangueira que
o vozeirão do sino chega cedinho todos os dias
para o resmungo e bocejar do menino.
E desde que entrou dezembro e os pontinhos
vermelhos foram diminuindo e os caroços
das pitangas embranquecendo o escuro da terra,
o acordar do menino, cada vez mais,
cheira a manhã de Natal.
De caramujos a borboletas, de gotículas de orvalho
ao sabor da luz que entra pela janela, tudo,
a cada dia, tem um pouquinho mais
do dia mais alegre que se alastra
no jeito de cada um a olhos vistos.
No Natal, até as paredes têm a cor
que a gente sonha e que, de manhã,
ao primeiro enrugar das pálpebras,
até parecem não existir
de tão misturadas ao tempo.
Daí vem o gostinho do tempero da mãe
na galinha dourada no forno
e a fome faz um buraco que
ronca devagarzinho no estômago.
O jeito é levantar e ver a réstia de sol
escorregar nas folhas da laranjeira e
chacoalhar no canto da cozinha,
tipo um fantasma de luz e sombra
que vai e vem com o vento.
Na xícara chia um monte de bolinhas que
vão estourando sem barulho aparente,
mas, que, diferente do sino
têm voz de sopro no lado de dentro
da flor de pessegueiro.
O dia tem preguiça e
demora vir o sono
depois que ele se esconde
lá por detrás do morro das antenas.
Quinhentos, seiscentos, setecentos carneirinhos,
ora em fila de quilômetros,
ora ali no espaço das palmeiras
buscam o sono no pasto do vale que esfria,
já em sonho sob o peso suave do cobertor.
Mas, mesmo que já não existam árvores
entre a torre da igreja e a roseira,
o vozeirão de bronze, impedido por edifícios e
pela zoeira da cidade, ainda toca profundamente o
despertar de hoje na alegria incontida de mais um dia de Natal.
Roberto Bittencourt
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