segunda-feira, abril 30, 2007

ENSAIO


A vó e o voto

Ainda não foi desta vez que me convenci de que o poder está no voto. Votei, nem sei quantas vezes; pra isso, pra aquilo e nunca saí dessa, lhe garanto. Sabe moço, desde moça que eu ouço dizer, esse é melhor que aquele; aquele é ladrão, não vale nada, só vai piorar as coisas pra nós. Agora, o fulano não, esse é gente boa e, além do mais, não precisa roubar, é podre de rico, tem fazendas, tem isso, tem aquilo. Lhe garanto! Mas no final são todos iguais, não tem um que seja eleito e que dali a pouco não esteja atolado na roubalheira. A única diferença, moço, é o jeito que a coisa acontece, lhe garanto. Uns roubam na cara dura, não estão nem aí, como se diz, com nada. Já outros, são mais safados ainda, dizem que não admitem a desonestidade, que têm vidas limpas, transparentes, que vão pôr na cadeia aqueles que, antes deles, meteram a mão no dinheiro do povo e blábláblá, blábláblá. Esses, lhe garanto, moço, são os piores. Aí você vai ver empregaram tudo que é parente com salários lá em cima, empregaram tudo que é amigo, tudo que é do partido deles e, além de tudo, põem as pessoas erradas, sem preparo, pra fazer as coisas, lhe garanto. Olha, moço, eu já passei dos oitenta, há muito que não precisava votar, e ainda estou pra ver o poder do meu voto. Continuo votando de teimosa, que me custa até pra ir ao colégio, duas quadras daqui, quando tem eleição. E se ainda mudasse alguma coisa pra melhor, mas a cada dia que passa é mais violência, é mais besteirada na televisão, é mais falta de educação e de respeito. Velho é trapo, lhe garanto. Perdeu-se a vergonha na cara, perdeu-se tudo que é valor, virou tudo casca sem nada dentro.

Outro dia precisei ir ao Postinho, que me deu uma dor nas costas; a Zenaide insistiu e enquanto eu não fui ela não sossegou. Embarcamos no ônibus, que dinheiro pra táxi, quem tem, só se fosse aposentada da política, lhe garanto. O ônibus, daquele jeito, parece uma lata de sardinha, não dá pra se mexer e, como o postinho não é tão longe a gente tinha de passar logo a catraca e passamos meio exprimidas, mas passamos. Agora, quem se levanta pra você sentar é que eu quero ver. Pois olha, moço, lhe garanto, uma gurizada, uma meninada fazendo de conta que quem estava ali, em pé, ao lado deles, era qualquer coisa, menos uma senhora da minha idade. Não fosse a Zenaide pedir eu podia desmaiar de dor que eles não estavam nem aí, como dizem eles, lhe garanto. Aí eu pergunto, meu Deus do céu, onde é que foi parar a educação dessa gente... Uma moçada tão bonita, tão cheia de vida e tão mal educada. É claro que é mais um lamento que uma pergunta. Ou você acha que estou na idade de ficar fazendo pergunta pra que alguém responda, não é bem assim por isso, por aquilo, você é de outro tempo e blábláblá, blábláblá... Lhe garanto!

O voto, moço, pra mim, é uma ilusão. É uma coisa que nasce da esperança, com o crédito que você dá pra quem se apresenta mais bonitão, mais cheio de promessas que fazem da tua esperança um mundo resolvido, e, que, em seguida se esvazia e cria uma nova esperança que se renova a cada desilusão, lhe garanto, eternamente.

Roberto Bittencourt

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