domingo, dezembro 09, 2007

Natal

Natal que mereço

Em mim está Natal que mereço. E essa noção de merecimento, por considerar que em mim se dá a vida como vivo, por entre datas, me comove sempre que na paisagem se instala a estética natalina e as vozes do passado se apresentam para, outra vez, lembrar-me que o tempo é de brincadeira. Assim percebo o que se fez em mim, desde a infância, o brincar com os carrinhos de madeira que o Menino Jesus trazia e, por pura brincadeira, escondia nos lugares mais improváveis da velha casa para que o merecimento chegasse às últimas conseqüências. Também percebo, na mão que me deu equilíbrio por um momento, para alcançar um desses esconderijos e que ainda hoje permanece impressa no tempo que brinco para ser feliz, a textura de um sorriso singelamente contido ante o bambear, oopaaa!, da perninha magra. Ao perceber o presente, o faço apresentando-me inteiro em percepção e, assim, o que me afeta dessa paisagem efêmera, transborda na alegria de uma brincadeira permanente.
Se até aqui você nada entendeu, nada que eu continue a escrever sobre Natal vai fazer alguma diferença e a brincadeira perde a graça. O brinquedo de que falo nesta brincadeira com as palavras refere-se a um tipo de tempo, ao qual você não tem acesso por ter acesso a um outro ao qual eu não tenho, mas, mesmo por isso, a leitura é sem compromisso. Ao meu tempo, construo este texto como quem constrói uma pandorga e a solta sob e sobre o seu olhar que, de alguma forma, sim, faz a diferença. Com isso, retifico o dito acima e continuo a perceber na estética natalina a matéria poética que trago à mão, feito brinquedo que se inventa ao se dispor de fiozinhos luminosos na escuridão. E ao brincar nessa composição, tramo e destramo, sobreponho, derrubo um, junto outro e, a vida continua cheia de surpresas e de graça, mesmo quando, de repente, um natural evento de desenlace forneça saudade a cada dia que passa. Afinal, se tudo na vida, de um jeito ou de outro, passa, que tudo se dê em nome da graça.
Até aqui, deixo claro que não há clareza no Natal que mereço por perceber como percebo essa paisagem de enfeites e, convenhamos, não se trata de direito ou avesso o texto que busca sua validade nos critérios de quem o lê, repito, sem compromisso. Dito isso, digo também que as maneiras de que eu e você brincamos são apenas distintas porque, ainda que com o mesmo brinquedo, a sua brincadeira é a sua graça e, a minha, poesia. Sempre foi assim, se vejo uma luzinha piscando, uma árvore enfeitada ou percebo o cheiro de tinta fresca nas paredes, já sei que é um momento significativo de brincadeiras e que, a cada Natal, as minhas são mais verdadeiras por utilizar como brinquedo as palavras. Mas palavra por palavra ao seu modo, você também as utiliza e, justamente por isso, quero agora repetir o que eu já disse e que, talvez, pelo arranjo de modo a lhe causar alguma dificuldade, a sua validação esteja em suspenso: comemoramos esse nascimento desde a nossa disposição em brincar para sempre.

Roberto Bittencourt

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