Este texto foi originalmente publicado no jornal Patyfarias de Paty do Alferes - RJ
Escritas quase retas
Eu sempre quis escrever como escrevem a maioria dos jornalistas. Sempre muito claro: palavra sem puxar palavra, mas, puxando o sentido de um fato, de um acontecimento que se deu por vencido diante do texto tenaz. Uma escrita quase sempre correta; reta no sentido que possa ter uma reta, que possa ter um sentido tido como verdadeiro, como pertinente que é ao arrastar das margens os entulhos para dizer, por exemplo: este é o trapo que usou fulano no dia da posse...
Mas, acho que não tem jeito, tudo o que eu escrevo tem aquela pitada de qualquer coisa que não dá para entender assim como se entende um discurso importante, um discurso lógico, um discurso que se possa ler como sobremesa e comer como se come um pastel, sem a consciência dos radicais livres. É como se você estivesse entendendo tudo até agora, e, de repente, o gato pula no telhado, a porta bate, é sua mãe ao telefone, catarro no pulmão, fisgada no dente.
O jeito é voltar ao primeiro parágrafo e tentar novamente que é assim que se distende, já que não consigo escrever como escrevem a maioria dos jornalistas e, sempre muito claro, palavra só puxa palavra quando não se dá o sentido. Na minha escrita o mundo pirueta, pinheirola, enrola o capeta e não consegue aquela reta que leva ao céu do Chuí. Daí, não dá para cobrir um evento ou aventar ao sul o desejo de narrar um Paraná, uma Curitiba, uma Morretes, uma Vila Zumbi, o tempo da lambreta.
Neste quarto talvez eu consiga dizer que a luz difusa me atrai aos bastidores, me sensibiliza para as marcas de uma iluminação precisa, para os gestos de palavras soltas ao fluir de um espetáculo. Mas, aqui, neste ponto, enquanto você naturalmente pensa em travesseiros, eu torno a dizer que gostaria de escrever como escrevem a maioria dos jornalistas. Falar de uma coisa que não quer dizer nada além daquela coisa que se diz e que não é propriamente uma coisa, mas, algumas coisas que se afetam. Este quarto parágrafo, no entanto, nem sei se consegue apontar para a Sociedade do Espetáculo.
A intenção. Sim, talvez seja ela a danada que em meu texto corre pelas tabelas e não cai, ainda que eu cante a caçapa. Mas, este é um jogo em que importa a ficada. É a sua vez.
Você tem razão, se entendia quase tudo até o alvoroço do gato pulando no telhado. Depois, como se um cochilo me acometesse, cá estou eu com o taco, numa puta de uma enrascada tendo que sair de uma sinuca de bico. Isso prova que você nunca vai conseguir escrever como escrevem a maioria dos jornalistas, que jamais vai ter a oportunidade de cobrir um belo enterro de papa, de narrar um espetáculo bélico, de, ao menos, servir ao poder econômico. E tudo por causa de uma certa inabilidade em perseverar numa coerência que se entenda sem muito esforço, sem que se tenha de evocar um Julio Cortazar, um José Saramago... É essa coerência que lhe falta a responsável pelo poder da comunicação, pelo poder político que alcança votos. E isso é o que importa fora dos bastidores, aonde você se expõe e dá a tacada certeira antes que o jogo vire missa de corpo presente e sua vez nem aconteça.
Menos mal que você correspondeu ao meu apelo e fez o possível para encerrar o jogo, para, por tabela, desencadear uma espetacular seqüência e pôr fim a esta querença de escrever como escrevem a maioria dos jornalistas. Porque só assim eu percebo que não é bem assim, que apesar de não conseguir escrever como eles escrevem já tive caneta-tinteiro, já usei mata-borrão. E, ainda que isso não lhe diga nada, faço uso de metáforas para que não fique claro que um dia ainda vou escrever como escrevem a maioria dos jornalistas.
Roberto Bittencourt
2 comentários:
Bravo! Bravíssimo!
O Leminski disse em entrevista a um jornal que o problema da imprensa é que sua existência estava baseada numa premissa falsa: a de que acontecem coisas todos os dias.
E o seu texto, certamente, não é de se forrar gaiola...
...e ném de se limpar vidro ou de se embrulhar fumo...
Abração
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