sexta-feira, outubro 20, 2006


Hoje eu quero falar de um ser que por ser o que é não deve ser o que aparenta. Para começo de conversa, isso já deve ter-lhe soado um tanto estranho, um ser que é o que não deve aparentar. Mas, reflitamos pelas normas e crenças de nosso mundo conspícuo e esse serzinho surgirá sem qualquer máscara que nos passa induzir a uma aceitação passiva de sua empáfia.

Trata-se de um ente perigoso. De um delinqüente que se infiltra por entre os valores mais caros de nossa família, de nossa sociedade, de nossa condição humana que tanto pagou e paga pela segurança de que se tem direito. Em nome da ordem e do progresso é preciso deter essa criatura, esse mostrengo que acha que o caos é a única vertente para a fonte da vida. Não se pode permitir que as suas divagações, que a sua estúpida visão dinâmica das coisas venha, em nome da individualidade, perturbar a nossa coerência humana construída as custas de tanto sangue pelas crenças que nos animam.

Se me fosse permitido dar um conselho eu diria, leitor, afaste-se desse sujeito. Pelo que se conseguiu até aqui com tanta astúcia, com tanto zelo, prudência é a palavra-chave para se acessar qualquer traço de importância que, por ventura, brote desse tipo esquisito e se faça coisa concreta. Agora, de qualquer forma, não será um visionário, um tolerante qualquer que irá difundir os segredos de nosso sucesso, de nossa condição de poder sem consistência.

Sei que estou me estendendo e que a sua curiosidade aumenta quanto mais o tal ser é descrito sem uma identidade, sem um nome ou apelido qualquer que o torne significativo. Ocorre que a minha intenção é de que você que certamente conhece alguém com as características que vão aqui surgindo, não se iluda com aquele olhar bem intencionado, com aquele sorriso verdadeiro, com aquela absurda mania de respeito que só faz abalar qualquer segurança. Você sabe que entre o conciso e o prolixo há uma enorme variedade de modos expressivos que não se deve levar em conta, a menos que se queira promover diálogo. Coisa que, cá pra nós, é absolutamente dispensável, já que se pode decidir por si que o outro não vale a pena.

Já se falou muito sobre esse tal de poeta. Já se disse que ele é um fingidor, um louco, um abusado, um sujeito que não se enquadra às nossas tradições, às nossas normas de conduta absolutamente alicerçadas nas vitórias do bem sobre o mal. Prisão, chibatadas, pau-de-arara, afogamentos, já se tentou de tudo e para o nosso desassossego, quando menos se espera, surge uma dessas criaturas a espreitar por entre os olhares e os gestos para depois por palavras em nossa boca e vela em nossa mão. Se você imagina que a morte pode detê-lo, que a laje de um túmulo o prenderá às larvas que devorarão sua língua, sua sensibilidade nojenta, saiba que Fernando Pessoa, assim como José Régio, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Dromond, Rimbaund, Augusto dos Anjos, Marcos Prado, Leminski e toda uma legião desses perturbadores da ordem permanecem por aí a corromper as nossas leis, a nossa segurança e o futuro das nossas projeções acadêmicas.

Por mim, ele, que vá viver de favores como viveu Mario Quintana e como vivem tantos outros. E que se alimente de metáforas, de brisas, de qualquer coisa que ele invente e que não venha interferir em nossa disposição de fazer do mundo um grande negócio para os nossos filhos. Que vá aprender a ser competitivo ao invés de ficar marcando passo com essa de colaboração, de respeito mútuo. E que não me venha com aquela lengalenga de linguagem do amor. Amor é sexo na cama ou em qualquer outro lugar, o resto é papo furado, é conversa de quem não tem o que fazer e fica por aí buscando chifre em cabeça de cachorro.

Definitivamente, eu detesto esse tipo. Nunca se sabe o que ele quer, por onde ou para onde vai, qual a lógica de sua conversa, qual a graça de suas pilhérias ou o motivo de suas lágrimas. E, se não bastasse, nunca se sabe se está indo a uma festa, a um velório ou ao trabalho. É, de fato, um desajustado. Nunca dê corda a esse tipo de sujeito se não quiser que os seus negócios escusos, que os seus investimentos em pessoalidade performática sejam bisbilhotados e até contestados.

Fiquei sabendo de um caso ocorrido numa dessas empresas pós-modernas, cujo, a um desses sujeitos, fora dada a corda suficiente para que ele fizesse livres observações. Não preciso nem dizer que virou um verdadeiro caos, é gente respeitando gente, é diálogo daqui, é diálogo dali. E, pior, acabaram-se as fofocas, os rompantes, a tal empresa virou uma insuportável profusão de felicidade e de resultados positivos em âmbito geral. Ora, que não me venham com mais essa de humanização das relações profissionais de verdade. Esses humanistas também estão na minha mira. São eles, por certo, os responsáveis por promoverem, menos mal que raramente, esse tal de poeta a funções relevantes dentro da nossa querida sociedade.

Por fim, o que mais me irrita nesse tipo calhorda, desgraçado, é a mania estúpida que ele tem de tratar das nossas mais caras conquistas com a ironia ferina de um coração azulejado.

Roberto Bittencourt

Este testo foi originalmente publicado no Jornal Patyfarias de Paty do Alferes - RJ

Nenhum comentário: