quinta-feira, março 15, 2007

ENSAIO


A noite não caiu àquele dia antes que o silêncio, visível de tão estático entre as pereiras, assegurasse o tom surdo das encostas.

Desvairado por sobre a planície, ruma o vento às frestas da janela com seu hálito de gelo silvestre; agora pé ante pé, a preservar o som delicado das narinas do guri adormecido.

Aos poucos bate o desvario à porta sul, a esbordoar o lusco-fusco carregado de um carvão algodoado que filtra a represa derramada por sobre os canteiros de alfaces.

Faz-se das faces do silêncio sulcos de raios nas mãos em concha e ruge o tom das encostas às costas que sustentam a porta.

Das poças que entre si se transpassam, um vigor inverso se agita e as arremessa além de qualquer limite em horizontal líquido destempero.

As bocas-de-lobo gargarejam e os sons se misturam aos de mil cães que rosnam ao norte de um céu ainda não chovido.

Ao sul, esticada entre a esvoaçante solidão da névoa e o tilintar penetrante das gotas do aguaceiro, a planície desbotada sorve do dia seus últimos instantes.

Dos borrões do norte ao extremo traço grená do horizonte sudeste, posa tímida a noite, já sem holofote, às vistas do guri desperto ao rugido que forçou a porta.

As molduras líquidas dos canteiros derramam dos sulcos e o bocejo do despertar recente embaça a vidraça, num convite ao traço de acordar por inteiro.

Quase sem vincos encostas, noite e tudo o que se vê se interpenetram na lentidão de um silêncio regado às cores do amanhã.



Roberto Bittencourt

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